27.12.06

As ginjinhas de Tabuchi

O escritor italiano, António Tabuchi, há muito radicado em Portugal, tem através dos seus romances dado a conhecer a nossa velha e boémia ginjinha. Vejam-se aqui os exemplos respigados em «Requiem» e «Afirma Pereira»:

“O senhor não quer tomar nada na minha casa?, disse ela, tenho uma ginjinha feita por mim. Está bem, aceitei, vai uma ginjinha, mas tem de ser a comer...”
in, «Requiem»

“Foi buscar a ginjinha e Monteiro Rossi encheu o cálice dele. Pereira serviu-se apenas de uma cereja com um pouco de licor, porque temia quebrar a dieta.”
in, «Afirma Pereira»

Eis um bom exemplo de marketing cultural além fronteiras.

P.S.1: Duas notícias sobre os prémios Gourmand atribuídos ao Elogio da Ginja, publicadas aqui e aqui.
Apenas mais um pormenor: o autor nasceu em Moçambique.

P.S.2: Pedro Rolo Duarte, no seu programa Janela Indiscreta, na Antena 1, dedicado ao universo dos blogues, dedicou uma emissão ao Elogio da Ginja. Para ouvir aqui.

11.12.06

«Elogio da Ginja» premiado

O livro «Elogio da Ginja», de Paulo Moreiras com fotografias de Paulo Cunha, editado pela QuidNovi em Maio de 2006, recebeu dois prémios Gourmand para "Best Single Subject Cookbook" (Melhor Livro Temático de Gastronomia) e "Best Cookbook Photography" (Melhor Fotografia de Livro de Gastronomia), na categoria de livros portugueses, atribuídos por um júri internacional do concurso "Gourmand World Cookbook Awards 2006".

Os prémios Gourmand, considerados os óscares da literatura gastronómica, distinguem os melhores livros de gastronomia editados em 2006, a nível nacional e internacional. Com estes dois prémios, o «Elogio da Ginja» passa à fase seguinte do concurso, onde irá competir a nível internacional com os vencedores nestas categorias para o prémio "The Best in the World".

Os resultados serão anunciados a 7 de Abril de 2007, numa cerimónia a realizar em Beijing, China.

7.12.06

Ginjas de Natal

Ramalho Ortigão, em «As Farpas», descreve a gastronómica volúpia que se espraiava pelas lojas lisboetas, por ocasião das festividades de Natal, em que "as confeitarias exibem toda a sua colecção completa de doces de ovos: as queijadas, os morgados, os fartos e as lampreias espadadas, de grandes olhos de ginja e de línguas de cidrão". Em outras casas era possível encontrar "garrafas brancas, verdes, azuis, amarelas, dos diferentes xaropes e dos vários licores eclesiásticos da Cartuxa, do padre Kermann, dos beneditinos", bem como "aguardentes de todas as cores".
A propósito de lampreias de ovos, recorda-se aqui uma estória publicada n'O António Maria, em dezembro de 1880, sob a batuta do mestre Raphael Bordalo Pinheiro, que nos conta as peripécias de uma lampreia no país do compadrio.

"A viagem de uma lampreia no paiz do compadrio – Scenas do Natal

Comprada ao Cócó pelo comendador Possidonio, ella era de ovos de fio, com dentes de cidrão, olhos de ginja e rabo de compota de pera. Possidonio a mandou de presente por seu filho, alumno da Academia de Bellas Artes, a Delguim, a título d’almoço para os seus criados. Delguim, querendo dar a Rangel de Lima um solemne testemunho da importancia das viagens archeologicas d’este sabio sobre os destinos dos ovos de fio, manda-lhe a lampreia. Rangel, commovido, come a ginja de um olho ao animal, e envia-o com o outro olho e com um bilhete de visita ao seu irmão na arte Ferreira de Mesquita. Mesquita, notando que a bicha não vê da ginja esquerda, come-lhe simetricamente a ginja do olho que lhe deixou Rangel, e offerta-a com oculos ao tio Fontes. O grande estadista offerece a lampreia a mestre Sampaio, por considerar que é a boa lampreia que serve de base á boa politica. Sampaio, reflectindo que o doce da publica governação só pode em bom direito constitucional caber, no momento presente, ao nobre duque d’Avila, trespassa a lampreia áquelle personagem. O nobre duque, com a lealdade politica que todos lhe reconhecem, deposita nas mãos do seu partido a bandeja da situação. O partido do nobre duque, reunindo em massa na pessoa do conselheiro Arrobas, beija reverente a dadiva do seu chefe e, depois de se haver compenetrado dos seus fins politicos engulindo a pera que servia de rabo á lampreia, offerece ao seu visinho e amigo o conselheiro Chamiço.Chamiço, para que lh’a não saquem a descoberto, cobre-a com um guardanapo e endossa-a ao seu biographo o Plutarco Carrilho. Carrilho, varão justo, exclama: «É bem que Eduardo Coelho, uma vez que roeu o osso da biographia, chuche tambem os ovos em fio com cidrão do biographado.»
E assim foi que Eduardo teve mais uma occasião de patentear a sua estima ao commendador Antunes, offertando-lhe a lampreia que Carrilho lhe depozera nos braços. Commendador Antunes, cavalheiro e galã, envolve a lampreia n’um lenço de seda da China e em toda a sua consideração pelo bello sexo e manda-a de presente a D. Cecilia Fernandes. D. Cecilia e seu esposo, por um d’esses rasgos de genio, de que toda a imprensa se tem feito echo, pregaram umas fitas na lampreia e converteram-a em um dos mais graciosos chapeus do seu atelier. Atada á cuia de uma das damas da nossa primeira sociedade, a lampreia esteve no dia de Natal na missa do Loreto, e percorreu o Chiado. Rangel e Mesquita deitaram-lhe uns olhos terriveis. Eram talvez os mesmos que lhe haviam comido na vespera. Á noite a lampreia esteve em D. Maria. Assim se explica o seguinte annuncio publicado ha dois dias na folha noticiosa: «D. Maria — Lampreia d’ovos — Carta no correio geral.»
Hontem, ao cair da tarde, a lampreia d’ovos foi vista em uma das ruas lateraes do Passeio Publico, passeando pelo braço de um jovem que se supõe ser o auctor do annuncio publicado na folha noticiosa. Ao regressar d’esse romanesco rendez-vous, a dama levando as mãos á cabeça deu um grito de horror. O vil annunciante, captando-a com os protestos de uma paixão fementida, havia-lhe comido o chapeu. Por outro lado D. Cecilia e seu esposo recebiam de mão anonyma o seguinte diploma, que muito honra o seu estabelecimento: Gostei do chapeu. Estava bem feito. Unicamente lhes aconselharia, em quanto ás guarnições, que lhe não carregassem tanto no cidrão."
Eis a ginja de outros tempos.

Boas Festas para todos.